Estudo mostra detalhes da enchente de maio, a maior da história do Brasil

📸 Univates
Um estudo técnico dimensionou a extensão do desastre hidrológico de 2024 no Rio Grande do Sul, considerado o maior da história do Brasil. A pesquisa, publicada na Revista Brasileira de Recursos Hídricos (2025), foi realizada por um grupo de dezenas de pesquisadores de diversas universidades e instituições do RS, incluindo a Universidade do Vale do Taquari (Univates), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Serviço Geológico do Brasil.
O desastre, que ocorreu entre o final de abril e o início de maio de 2024, foi desencadeado por uma sequência de chuvas excepcionalmente intensas e duradouras, que se concentraram em regiões montanhosas e áreas de transição entre o planalto e a planície.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a região já havia registrado uma média de chuvas superior ao normal em abril de 2024. Entre os dias 29 de abril e 5 de maio, a precipitação chegou a níveis recordes em várias partes do Estado, com alguns locais registrando mais de 700 milímetros de chuva em apenas cinco dias.
O volume de chuvas foi potencializado pelas temperaturas elevadas da superfície do Atlântico, o que gerou condições propícias para a formação de sistemas convectivos de grande intensidade, comuns em regiões tropicais.
Previsão ineficaz
O sistema de previsão meteorológica teve dificuldade em prever antecipadamente o volume e a intensidade das chuvas, o que impactou a emissão de alertas mais eficazes. No entanto, alguns avisos foram emitidos pelo Inmet, alertando para fortes chuvas.
O impacto humano foi extenso. Além das quase 200 mortes, cerca de 27 pessoas continuam desaparecidas até o momento (da publicação do texto científico). Estima-se que o número de desabrigados e desalojados tenha ultrapassado a marca de 880 mil pessoas, com milhares de famílias forçadas a buscar refúgio em abrigos improvisados ou com parentes em regiões não afetadas.
Falhas
Cidades como Eldorado do Sul e Muçum tiveram 80% de suas populações afetadas. Na região metropolitana de Porto Alegre, bairros protegidos por diques foram inundados devido a falhas estruturais, como brechas em barreiras e estações de bombeamento inoperantes.
Em Porto Alegre, o sistema de defesa contra enchentes, construído na década de 1970, mostrou-se ineficaz para lidar com a magnitude desse evento. As águas do Rio Guaíba subiram acima dos níveis de segurança, ultrapassando os 5 metros de altura.
Rios como o Jacuí, Taquari e Caí atingiram níveis jamais vistos, superando em até 4 metros as marcas históricas, incluindo a grande enchente de 1941. O lago Guaíba, que banha Porto Alegre, alcançou 5,37 metros, 45 cm acima do recorde anterior, inundando áreas protegidas por diques. A Lagoa dos Patos, que recebe as águas de toda a bacia, registrou níveis elevados por mais de 30 dias, afetando cidades como Pelotas e Rio Grande.
Barragens no limite
A barragem 14 de Julho, no Rio Taquari, sofreu um rompimento parcial após as comportas não serem abertas a tempo. Outras barragens, como Dona Francisca e Rastro de Auto, operaram acima da capacidade de projeto, evitando colapsos totais graças a ações emergenciais.
Além das enchentes, deslizamentos de terra devastaram comunidades nas áreas montanhosas. Segundo o levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), cerca de 17 mil cicatrizes de deslizamento foram mapeadas ao longo da escarpa do Planalto Meridional do RS. Os deslizamentos mais intensos ocorreram nos municípios de Agudo, Veranópolis e Fontoura Xavier, destruindo casas, estradas e redes de comunicação.
Logística
O desastre danificou a infraestrutura do Estado, com estradas e pontes destruídas, comprometendo o transporte de mercadorias e serviços essenciais.
Além disso, a produção agrícola, especialmente nas áreas cultivadas ao longo dos rios, foi prejudicada, com plantações inteiras de arroz, milho e soja submersas.
Estima-se que o impacto econômico direto ultrapasse a marca de bilhões de reais, o que afetará significativamente o setor agrícola do Estado ao longo dos próximos anos.
O setor industrial também foi afetado, com fábricas próximas aos rios Taquari, Jacuí, Caí e Guaíba inundadas, resultando em perdas de maquinário, estoque e instalações.
Sobrecarga
A Defesa Civil do Rio Grande do Sul montou um centro de operações de emergência para coordenar o resgate e o apoio às comunidades atingidas, mas o número de afetados foi tão alto que os recursos disponíveis foram insuficientes para atender a todos rapidamente.
Diante da dimensão da tragédia, o governo federal prometeu bilhões em recursos emergenciais para apoiar o estado do Rio Grande do Sul. As operações de ajuda envolveram diversas forças, incluindo o Exército, a Marinha e a Polícia Rodoviária Federal, que atuaram no resgate e na manutenção da ordem em áreas afetadas.
Organizações civis e voluntários também se mobilizaram para ajudar as vítimas, com doações de alimentos, roupas e itens de higiene pessoal, relembra o estudo.
Mudanças climáticas
Especialistas afirmam que o aumento na frequência de enchentes, secas e deslizamentos está diretamente relacionado às mudanças climáticas, que vêm alterando os padrões de chuva e aumentando a vulnerabilidade de regiões como o Sul do Brasil.
Para os próximos anos, pesquisadores e autoridades locais defendem a necessidade de um sistema de monitoramento e alerta mais robusto, além de políticas de ocupação do solo que evitem construções em áreas de risco.
ℹ️ Univates.