Justiça condena sócios de empresa que prometia 15% de juros ao mês
A 7ª Vara Federal de Porto Alegre publicou, nessa segunda-feira (29), sentença condenatória na ação penal principal resultante da chamada operação Egypto, deflagrada pela Polícia Federal em 2019 para apurar crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, envolvendo operações de instituição financeira sem permissão e negociações de valores mobiliários sem autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
🟣 Siga nosso perfil no Instagram
🟢 Siga nosso canal no Whatsapp
Ao todo, 17 pessoas foram acusadas de integrarem uma organização criminosa que atuava, de forma ilegal, com investimentos em criptomoeda. A empresa dizia aplicar em criptomoedas e prometia retorno de 15% de juros, ao mês, aos investidores.
Os cinco principais acusados, sócios da empresa Indeal, com sede em Novo Hamburgo (RS), receberam penas de 19 anos e três meses de reclusão, além de multa. São eles: Regis Lippert Fernandes, Francisco Daniel Lima de Freitas, Marcos Antônio Fagundes, Ângelo Ventura da Silva e Tássia Fernanda da Paz.
Outros réus receberam penas um pouco inferiores, entre 10 e 15 anos de reclusão. O valor estipulado na sentença para reparação dos danos é de aproximadamente R$ 448 milhões.
Venâncio e região
Segundo a Receita Federal informou em maio de 2019, Venâncio Aires ocupa a 15ª colocação no ranking das cidades gaúchas com maior volume de aplicações (R$ 7,8 milhões) na empresa Indeal.
Moradores de Santa Cruz do Sul investiram R$ 17,5 milhões com a empresa de Novo Hamburgo, colocando o município em 8º lugar no ranking estadual – foram mais de mil aplicadores.
Lajeado aparece em 6º, com aplicações que atingem R$ 21,5 milhões. A soma dos investimentos feitos em Venâncio, Santa Cruz e Lajeado equivale a 500 apartamentos populares.
Acusação
O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que, de agosto de 2017 a maio de 2019, os acusados disponibilizaram serviços ilícitos, sem autorização do Banco Central (BC) e da CVM. Eles venderiam aos potenciais clientes a ideia de investimento inovador, realizado mediante a aquisição e negociação de criptomedas com promessa de remuneração de 15% ao mês.
O MPF afirmou que eles teriam captado mais de R$ 1 bilhão de 38.157 pessoas físicas e jurídicas, sendo que a maior parte desse valor era de moeda nacional e pouco mais de R$ 41 milhões em bitcoins, mas os gestores da empresa teriam aplicado grande parte destes recursos em modalidade de investimento diferente da prometida aos clientes.
Além disso, teriam desviado significativa parte dos valores, direta ou indiretamente, aos sócios, seus familiares e colaboradores da empresa, que apresentaram aumento patrimonial de até 114.000% entre 2017 e 2019.
Ainda segundo o MPF, os denunciados operaram em, pelo menos, oito estados e alcançaram também outros países, como Suíça e Estados Unidos. De acordo com a acusação, eles também teriam promovido a evasão de divisas (saída ilegal de dinheiro do Brasil) em, pelo menos, R$ 128 milhões. A Indeal teve falência decretada no ano passado, tornando ainda mais difícil o ressarcimento total das vítimas.
Defesa
As defesas de cada acusado apresentaram suas próprias alegações individualizadas, destacando alguns argumentos em comum, como a negação da autoria, a inépcia da denúncia, atipicidade da conduta, a incompetência da Justiça Federal, o pedido de nulidade do processo e a demanda por absolvição.
Uma das alegações que permeou diversas manifestações de defesa foi a de que a criptomoeda não seria título nem valor mobiliário, não podendo ser enquadrado como crime contra o sistema financeiro, tampouco podendo ser equiparada a divisa, para efeitos de evasão.
Na instrução processual, que durou quatro anos e meio, foram ouvidas 28 testemunhas de acusação e defesa, com dezenas de desistências de oitivas.
23 mil lesados
Ao analisar os autos, a 7ª Vara Federal destacou que mais de 23 mil investidores foram lesados pela empresa, com aportes não resgatados no montante original de cerca de R$ 448,6 milhões.
“Decorrem da conduta criminosa, portanto, graves danos aos investidores lesados. Os danos causados pelos crimes são inequívocos, e prova disso são as perdas financeiras dos milhares de investidores que mantiveram os seus aportes na empresa e, ao fim das contas, não conseguiram o levantamento dos valores aplicados”, afirmou a sentença.
No que diz respeito às negociações envolvendo bitcoins, a 7ª Vara Federal também explicou que, embora as moedas virtuais não sejam consideradas, em princípio, como valores mobiliários, as oportunidades de investimentos em ativos dessa natureza podem constituir contratos de investimento coletivo e, nessa circunstância, sujeitar-se às normas e regulação da CVM.
“O que se constitui como um valor mobiliário não é o ativo criptográfico em si, e sim a proposta de investimento em moedas virtuais ofertada pela Indeal ao público em geral”, explicou.
Com relação à acusação de operação de instituição financeira sem autorização, a Justiça Federal concluiu que houve sim uma estratégia empresarial de aplicar parte dos recursos arrecadados em operações bancárias convencionais, e que a principal atividade praticada pela Indeal não era a negociação de moedas virtuais, e sim, a captação de recursos junto a investidores e a destinação de parte desse montante para aplicações em banco nacionais e parte em operações envolvendo bitcoins e outros ativos.
“Diversamente das argumentações defensivas, é certo que a Indeal se enquadra, nos termos da lei, como uma instituição financeira, seja em razão da emissão, distribuição e negociação de valores mobiliários, seja pelo exercício da atividade típica de captação e aplicação de recursos de terceiros“, pontuou.
A análise judicial também entendeu que, no que tange à acusação de gestão fraudulenta de instituição financeira, a condição de gerente “poderá ser estendida aos coparticipantes que, dela tendo conhecimento, responderão pelo mesmo crime cometido pelo possuidor da condição especial exigida no tipo”.
Ressalvou, todavia, que a conduta enganosa de oferecer ao público-investidor uma proposta de investimento e, na prática, a alocação de recursos de maneira diversa, tem de ser havida como limitada ao âmbito de atuação dos sócios. Portanto, os demais réus ficaram livres da acusação de gestão fraudulenta.
Comissão de quase R$ 400 milhões
Com base nos relatórios elaborados pela Polícia Federal, o juízo observou que, do dinheiro obtido em aportes e rendimentos, o montante de R$ 392 milhões foi disponibilizado aos sócios da empresa, a título de comissão. De acordo com o documento, os sócios teriam debitado R$ 302 milhões em pouco mais de um ano e meio, ainda restando valor de quase R$ 90 milhões pendentes de saque.
Segundo o testemunho de um auditor-fiscal da Receita Federal, os valores automaticamente disponibilizados aos sócios no banco de dados da Indeal a partir dos investimentos dos clientes haviam sido destinados, basicamente para: a) saques em próprio benefício; b) saques em nome de vendedores de automóveis ou imóveis; c) transferências de créditos como forma de quitação de transações; e d) transferências de créditos para duas funcionárias da empresa (que viriam a figurar entre os réus).
Outros valores, menos significativos, mas ainda acima da casa do milhão de reais, também foram irregularmente transferidos aos acusados diretamente, por meio de TEDs, e indiretamente, por meio de aquisição de joias, veículos, imóveis e planos de previdência privada para sócios, gestores e terceiros.
A Receita relacionou o acréscimo patrimonial obtido pelos acusados como resultado destas práticas. Somente em nome da empresa Indeal, foram adquiridas salas comerciais em São Leopoldo (RS) e São Paulo (SP), avaliadas em mais de meio milhão de reais, cada, além de veículos e quase meio milhão em joias.
Já os réus adquiriram dezenas de imóveis e veículos de luxo, cujo valor nominal superaria R$ 32 milhões, e tiveram seu patrimônio declarado à Receita Federal multiplicado na casa de dez a vinte vezes o patrimônio do ano anterior, no intervalo dos anos-calendários de 2017 a 2018.
Multimilionários
A decisão judicial sublinhou que “facilmente se nota que os réus apresentaram um acréscimo patrimonial súbito e extraordinário após o início das atividades da Indeal. Merece especial destaque a situação dos cinco sócios da empresa, que possuíam, em média R$ 80 mil reais em patrimônio no ano de 2017 e já no ano de 2018 se tornaram multimilionários, detentores de bens que perfaziam o valor médio de R$ 29 milhões”.
A conclusão do juízo foi de que “a Indeal, apesar de não ter auferido lucros, disponibilizou, direta ou indiretamente, valores em proveito dos denunciados. Como resultado disso, após o início das atividades da empresa, o que se verificou, de um modo geral, foi o crescimento do patrimônio dos acusados. Logo, partindo da constatação de que a ampliação do acervo patrimonial dos réus não teve como embasamento as receitas auferidas pela empresa, senão os próprios recursos captados junto aos clientes, inarredável é a conclusão de que houve, na prática, a apropriação e desvio dos valores aportados pelos investidores, o que caracteriza de forma plena o crime do art. 5º, da Lei nº 7.492/86.”
Evasão de divisas
A equipe de investigações da Polícia Federal chegou a identificar que havia, em nome de um dos sócios, o equivalente a pelo menos R$ 128 milhões em ativos criptográficos destinados à plataforma digital (exchange) Poloniex, sediada em Delaware, Estados Unidos.
“Evidência clara de que as divisas foram evadidas é o fato de ter sido necessária a assistência judiciária das autoridades norte-americanas para apreensão dos 3.537,21068616 bitcoins em carteira digital do acusado, e o fato de a alienação antecipada das moedas virtuais demandar, igualmente, o encaminhamento de diligências no âmbito daquele país”, explicou.
Em conversas de Whatsapp interceptadas, o juízo verificou também que a Indeal recolhia os valores em reais e os remetia (em parte) para o exterior – seja no interesse de clientes, seja no interesse dos sócios – , mediante operações efetuadas paralelamente aos devidos canais oficiais.
Organização criminosa
Por fim, ao analisar as provas relativas à acusação de organização criminosa, em especial documentos aportados aos autos e interceptações de conversas entre os acusados, a 7ª Vara Federal concluiu que “os réus constituíram e integraram um grupo que reunia todos os requisitos legais de uma organização criminosa: pluralidade de agentes, estrutura ordenada, divisão de tarefas, prática de infrações penais graves e finalidade lucrativa”.
Condenações
Ao concluir a sentença, o Juízo da 7ª Vara Federal resumiu as condenações: cinco dos réus, sócios da Indeal, receberam a pena de 19 anos e três meses de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa.
Os demais receberam penas da seguinte forma: um deles foi condenado a 15 anos e quatro meses de reclusão; seis foram condenados a 11 anos e oito meses de reclusão; e outros três deverão cumprir a pena de 10 anos e 10 meses de reclusão; todos também em regime fechado, além de pagamento de multa proporcional às penas.
Foi decretado o perdimento de todos os bens e valores, que incluem R$ 32 milhões em imóveis seqüestrados, veículos de luxo e esportivos, joias, relógios (e outros itens de luxo), além de valores bloqueados.
Foram mantidas as medidas cautelares vigentes, sendo que todos poderão recorrer em liberdade.
Ainda se apura o delito de lavagem de dinheiro, em fase de investigação.
Os valores apreendidos relativos aos sócios (R$ 18.674.665,25) foram transferidos à Vara Regional Empresarial da Comarca de Novo Hamburgo, na Justiça Comum. Lá seguirá o procedimento falimentar, com levantamento de bens, pagamento dos credores e prestação de contas.
Permanecem vinculados ao Juízo da 7ª Vara Federal de Porto Alegre R$ 12.822.258,24 oriundos de bens dos não-sócios condenados, que servirão para a reparação do dano.
Empresa de captação
Na mesma data, também foram condenados pela 7ª Vara Federal, em ação penal relacionada, um casal, que por meio de outra empresa, negociava valores no interesse da Indeal. No exercício desta atividade, os réus captaram um valor total aproximado de R$ 4,5 milhões, tendo recebido da Indeal o montante de R$ 588.268,21, a título de comissão pelos investimentos angariados. A cidade onde fica a empresa paralela ou a moradia do casal não foi divulgada pela Justiça Federal.
Condenados a dois anos de reclusão, eles tiveram sua pena restritiva de liberdade substituída, nos termos do Código Penal, por prestação de serviços à comunidade, em obras sociais, mais multa. Neste caso, a condenação ocorreu porque a empresa do casal oferecia e negociava valores mobiliários sem prévio registro de emissão junto à autoridade competente.
* Com informações da Justiça Federal.