Bairro Xangrilá

Governo federal fica quase um ano e meio sem mandar verba para finalizar nova escola infantil

Redação

Publicado sábado, 29/10/2022, às 14:44

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???? Gov. Venâncio Aires/arquivo

A construção da maior escola infantil pública de Venâncio Aires lembra uma obra de Copa do Mundo, no Brasil: todo mundo sabe quando começa, mas ninguém sabe quando vai terminar. Iniciada em junho de 2016, a escola municipal de educação infantil (Emei) do bairro Xangrilá vai entrar em funcionamento no ano que vem, seis anos e meio depois dos primeiros trabalhos na construção.

A obra ficou completamente parada em dois momentos. De junho de 2018 a agosto de 2019 foram 14 meses de pausa devido ao rompimento de contrato com a primeira construtora e a elaboração de uma nova concorrência.

A prefeitura de Venâncio Aires rompeu de forma unilateral com a construtora N. J. Koefender, em 14 de fevereiro de 2019, por “não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos e seus prazos, como também na lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra e do serviço nos prazos estipulados”, segundo o termo de rescisão, assinado pelo prefeito em exercício Celso Krämer (então no PTB), vice de Giovane Wickert (PSB).

16 meses sem dinheiro

No entanto, o maior período de paralisação na obra da creche que vai atender 188 crianças de zero a cinco anos em turno integral ocorreu em consequência da falta de repasses do governo federal, no mandato de Jair Bolsonaro (PL).

De outubro de 2020 a fevereiro de 2022 foram 16 meses sem que a União, principal financiadora da obra, tenha enviado recursos para o andamento da Emei do bairro Xangrilá, conforme documento obtido pelo Portal Significa por meio da Lei de Acesso à Informação.

Nove meses depois do início desta paralisação, em 14 de julho de 2021, o governo de Venâncio Aires emitiu uma nota pública dizendo que, se o governo federal não depositasse os R$ 600 mil que estavam retidos, a própria prefeitura pagaria pela obra e acionaria a União judicialmente. O objetivo era colocar a Emei em funcionamento em fevereiro de 2022.

Não houve notícia posterior de que o governo Jarbas da Rosa (PDT) tenha acionado a União na Justiça. O fato é que, de acordo com os documentos públicos obtidos por nossa reportagem, o Ministério da Educação ficou mais sete meses sem enviar as verbas, a Emei não inaugurou em fevereiro e mais um ano letivo foi perdido.

O Ministério da Educação foi procurado para comentar a suspensão do envio de dinheiro para a obra, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Seis para um

Enquanto a principal creche pública do Município não entra em funcionamento, 421 crianças aguardam vaga nas Emeis, conforme consta em listas públicas no portal da prefeitura, consultadas neste sábado (29).

A Capital do Chimarrão tem 2.591 crianças de zero a cinco anos matriculadas diretamente na rede pública municipal, em escolas parceiras (Casva e Casa da Amizade) ou nas 156 vagas compradas pela prefeitura nas creches particulares.

Então, para cada seis crianças matriculadas, uma ainda está esperando vaga – há crianças aguardando desde fevereiro de 2020. Nem mesmo a inauguração da Emei do bairro Xangrilá, por si só, eliminaria este déficit.

Direito constitucional

O Supremo Tribunal Federal decidiu, no mês passado, que o dever constitucional do Estado de assegurar o atendimento em creche e pré-escola às crianças de até 5 anos de idade é de aplicação direta e imediata, sem a necessidade de regulamentação pelo Congresso Nacional.

Por unanimidade, o colegiado também estabeleceu que a oferta de vagas para a educação básica pode ser reivindicada na Justiça por meio de ações individuais. A tese do Supremo passa a ter repercussão geral.

O ministro Luís Roberto Barroso observou que, como o direito à educação básica é uma norma constitucional de aplicação direta, uma decisão do Judiciário determinando o cumprimento dessa obrigação não pode ser considerada uma intromissão em outra esfera de poder.

Ele ressaltou que muitos dos direitos constitucionais necessitam de prazo para sua concretização, para que se adequem às necessidades orçamentárias. “Porém, passados 34 anos [da promulgação da Constituição], já não é razoável dizer que a realidade fática ainda não permite essa implementação”, observou o ministro do Supremo.

Como pedir vaga

Pais e responsáveis podem reivindicar matrícula nas Emeis de Venâncio Aires por meio da Central Única de Vagas, na Secretaria Municipal de Educação. É preciso apresentar certidão de nascimento, comprovante de que os pais ou responsáveis residem no Município, comprovante de que trabalham e declaração de que vão manter os dados atualizados. As inscrições ficam abertas durante todo o ano.

Crianças com necessidades especiais e em situação de vulnerabilidade têm prioridade na obtenção da vaga. O decreto municipal que regulamenta o acesso à educação infantil, assinado em maio de 2017, estabelece como critério de preenchimento das vagas a ordem cronológica de inscrições e a renda, sem especificar se um dos critérios é fator de desempate sobre o outro ou qual o peso de cada um.

Também não estipula se a renda é do pai, da mãe, familiar ou por habitação. Por fim, o decreto também não cita o critério geográfico, ou seja, os pais podem ser obrigados, em tese, a aceitar uma vaga que esteja aberta em escola localizada a quilômetros de sua residência, sob pena do nome da criança ser excluído da lista.

O custo do atraso

???? Gov. V Aires

Além do custo educacional e na rotina de pais e mães que não têm onde deixar seus filhos – fatores que não podem ser medidos objetivamente –, o atraso de tantos anos na inauguração da Emei do bairro Xangrilá significou um custo financeiro extra de R$ 1,254 milhão aos cofres públicos, ou 74%.

O primeiro contrato, lá de 2016, previa que a escola iria custar R$ 1.686.365,09, mas o preço final ficou em R$ 2.940.817,83, sem levar em conta o mobiliário e equipamentos.

De acordo com dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, o governo municipal investiu R$ 843,8 mil e a União entrou com R$ 2,097 milhões do valor total da construção. Somente o segundo contrato, com a empresa Pellegrini & Pellegrini, tem 12 aditivos – 5 de valor e 7 de prazo.

A obra da Emei do bairro Xangrilá era para estar pronta em abril de 2017, um ano antes da Copa da Rússia, mas vai ser inaugurada após a Copa do Catar.

O mundo mudou tanto neste intervalo que os russos, vilões internacionais, estão fora de qualquer competição esportiva; uma pandemia histórica começou e está para acabar; e o secretário municipal de Educação que iniciou a obra é o mesmo que vai inaugurá-la, quase sete anos depois.


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